O país do Vale Tudo

Coluna: Politicando | Por: L. Pimentel


Ou o povo brasileiro, a imprensa e o governo chegam a um denominador rápido, ou nosso País vai acabar indo à banca rota antes que possamos piscar o olho. O que não podemos, nem precisamos, é de salvadores da Pátria falastrões. Precisamos, sim, de quem possa encaminhar o Brasil por correntes marítimas que nos levem a portos seguros, que tragam fartura e liberdade para todos, não apenas para meia dúzia de apaniguados…

Mais de 31 anos separam a banana dada ao Brasil pelo personagem Marco Aurélio, vivido pelo ator Reginaldo Faria, na icônica novela Vale Tudo, transmitida pela Rede Globo entre os anos de 1988-1989, e a banana contra a liberdade de imprensa encaixada pelo presidente Jair Bolsonaro, no sábado (8), em frente ao Palácio da Alvorada. Ele reclamava que uma declaração dada por ele próprio – de que pessoas com HIV representavam “uma despesa para todos no Brasil” – havia repercutido negativamente. Culpar o mensageiro não é monopólio do atual presidente, que precisa aprender que uma democracia sobrevive sem ele, mas não sem uma imprensa livre e forte. Os contextos das bananas são diferentes, até porque Marco Aurélio estava fugindo do país e não teremos a mesma sorte quanto a Bolsonaro, que deve continuar causando estragos à República. Ambos são conhecidos, contudo, por suas declarações amorais. E se o personagem fictício da novela era acusado de montar esquemas para desviar recursos em benefício próprio, o mesmo pode ser dito do então deputado federal, com as denúncias de funcionários fantasmas, as rachadinhas, e o uso indevido de um Queiroz que pairam sobre ele e seus filhos.

“Você precisa fazer um personagem fascista para que as pessoas entendam o que significa o fascismo”, disse Reginaldo Faria, em uma entrevista ao jornal Extra, em 2015. Tendo a discordar. Até porque, se por um lado, falta amor no mundo, por outro, falta interpretação de texto. A novela veio a público quando o Brasil vivia um momento turbulento de sua história, em meio a uma Assembleia Constituinte que tentava refundar a democracia após 21 anos da ditadura de rapina dos verdes-oliva e seus apoiadores parasitas da iniciativa privada, que o ministro Paulo Guedes poderia ver como um exemplo de uso mais adequado do termo. O fato da atriz Regina Duarte, que viveu Raquel Accioli, mãe da gloriosa Maria de Fátima, em Vale Tudo, estar na mesma novela política de Marco Aurélio, digo, Bolsonaro, ao assumir a Secretaria Nacional de Cultura, ajuda deixar mais tênue o fio entre ficção e realidade. Ainda mais porque há quem diga que parte da equipe econômica do governo não é muito chegada a pobre, como a vilã Odete Roitman – a genial e saudosa Beatriz Segall.

A Nova República estava dando os primeiros passos em maio de 1988, quando a novela foi ao ar pela primeira vez (ela foi reprisada em 1992, 2010 e 2018). Hoje, ela está sendo velada de corpo presente após o contexto que deu sustentação à retomada democrática ter chegado ao fim nas eleições gerais de dois anos atrás. Nesse meio tempo, tivemos o impeachment de Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff, somando-se às manifestações de rua e greves gerais, a várias crises econômicas e outros tantos escândalos como: O Esquema PC Farias, a compra de votos da Reeleição, a Pasta Rosa, o Mensalão, o Trensalão, a Lava Jato, ufa!!!. E vivemos o bastante para vermos arautos do combate à corrupção acreditarem que estão acima da Constituição, da lei e da ordem dobrando sua interpretação à sua conveniência política. As instituições que levaram três décadas para serem construídas, vão se esfacelando em praça pública, atacadas pela própria mão do governo. Instrumentos de controle como a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República, o Coaf, a Receita Federal, a Funai, o Ibama, entre tantos, vão se submetendo à vontade presidencial. Por isso não posso deixar de perguntar: Vale a pena ser honesto no Brasil? Esta era também a grande pergunta da novela “VALE TUDO”.



OS DIREITOS E OS DEVERES

O eleitor brasileiro tem o direito de não ser agredido com o tipo de palavreado de boa parte de nossos líderes políticos. Mas não é só a agressividade dos ataques mútuos, é também a falta de respeito por quem os ouve. Aquilo que nossos avós chamavam de bons modos: “Tenham modos, meninos!” Bons modos são algo de que estamos necessitando. Aquela piada suja de botequim pode ser engraçada, mas não é para ser repetida diante de pessoas religiosas. Pode-se achar que uma jovem é extraordinariamente sensual, mas não precisamos gritar “gostosa” quando ela passa na rua. Há quem se vanglorie de sua incomum potência sexual, mas esse não é tema para tratar em público, e por dois motivos: o segundo é que mentir não é coisa de gente bem educada.

DEPENDE DO MODO COMO SE VÊ

Nos últimos tempos, alguns freios se romperam. Bolsonaro parece ter esquecido a liturgia do cargo, o comportamento que se espera de pessoas que lidam com o público. Imagine-se uma negociação diplomática em que um dos lados começa perguntando que mão ele deve molhar. Ou um presidente chamando seus colegas de cucarachos ladrones. A frase do jornalista Frederico Branco diz que “tem coisa que pode, tem coisa que não pode”. Presidente da República mal educado não pode. Nem dizer que é “imbroxável”! Lula, só pra lembrar, passou bom tempo alardeando a grossura como estilo. Bolsonaro o emula. Gente educada não passa o tempo proclamando que é ou não imune à disfunção erétil. Se isso for problema, é deles. Afinal de contas, nosso ouvido não é Viagra.



Nossos avòs

Durante muitos anos, jornais e revistas evitaram não apenas termos chulos como expressões insubstituíveis, mas que não eram bem aceitas em casas de família. “Bunda”, por exemplo, palavra cujo significado é típico da língua falada no Brasil, podia aparecer como “bumbum”, “derrière”, “nádegas”. O uso da palavra “camisinha” era tacitamente proibido – e assim foi até que as doenças sexualmente transmissíveis levaram os governos a utilizá-la. Antes, eram “condoms”, “preservativos” – que eram camisinhas, mas com apelidos. Exagero, claro; mas a ideia de que o grande jornal era lido pela família toda se manteve até recentemente. Os políticos mantinham a compostura: Carlos Lacerda, o demolidor de adversários, nem falava palavrões. Jamais se ouviria Leonel Brizola falar de sua potência sexual, ou alguém se gabar de suas amantes.