Além dos debates sanitários, econômicos e políticos, a chegada da pandemia ao Brasil também chegou com uma questão muito importante, a questão eleitoral envolvendo as eleições municipais de outubro.

Mas fica a pergunta: será que o coronavírus pode adiar a escolha de prefeitos e vereadores? Com exceção, como do presidente da República, várias autoridades vêm recomendando o isolamento social para retardar a velocidade da infecção. Discute-se, consequentemente, se isso prejudicará a escolha de candidatos, as campanhas eleitorais e mesmo o dia da votação. Há políticos defendendo de tudo – desde o atraso de alguns meses até a realização das eleições de 2020 junto com as de 2022.

A proposta de unificação das eleições, acompanhada do argumento simplório de que isso representaria uma economia de recursos públicos, é daquelas que sempre ronda o Congresso. Agora, por exemplo, ela pega carona no pretexto da pandemia. Trata-se de cancelamento das eleições 2020, prorrogação de mandatos em curso e criação de uma supereleição na qual o eleitor votaria em sete cargos no mesmo dia, de vereador a presidente, de uma só vez. Mas o que isso tem a ver com a contenção do contágio agora em 2020? Claro que ainda é muito cedo para projetar o quadro da doença e quais as recomendações médicas aplicáveis daqui a alguns meses. Se as eleições fossem nas próximas semanas, poderíamos dizer que representariam um risco. Mas não são. O comparecimento dos eleitores às urnas somente está previsto para o dia 4 de outubro.

Ministra Rosa Weber considera precoce falar em adiamento http://www.jornalopovosc.com.br

O adiamento das eleições por alguns meses, caso a pandemia não arrefeça, é uma medida que já foi citada como possível, inclusive pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, que também é vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral e que vai assumir o TSE. Mas essa medida deve ser tomada com cuidado. Um dos impactos possíveis de cancelamento seria a ruptura da estabilidade do processo eleitoral, que garante a vencedores, derrotados e eleitores a credibilidade do sistema. O adiamento das eleições municipais de outubro, sugerido por

autoridades, como o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também tem sido abraçada por alguns parlamentares no Congresso, apesar dos líderes se mostrarem contra.

Eleições com coronavírus seriam um risco à população? Com base no que dizem a Organização Mundial da Saúde e todas as entidades e pesquisadores com autoridade para se pronunciar sobre a questão sanitária, o enfrentamento à pandemia do coronavírus exige, no momento, o máximo de isolamento de todos nós. Este é o cenário atual. Uma vez que, como pessoas sensatas, aceitamos a opinião dos especialistas em saúde, fica fácil concluir que contribuiria irresponsavelmente para o agravamento do risco de contágio o ato que viesse favorecer, incentivar ou impor a aglomeração de pessoas nas próximas semanas. Portanto, se as eleições estivessem marcadas para os dois próximos meses, poderíamos dizer que representariam um risco. Mas não estão. O comparecimento dos eleitores às urnas somente está previsto para o dia 4 de outubro. Não temos como projetar qual será o quadro da doença e quais serão as recomendações médicas aplicáveis daqui a seis meses. Ou temos?

MAS SERÁ QUE HÁ UMA POSSIBILIDADE REAL DESSE ADIAMENTO ACONTECER?

Se partirmos da primeira pergunta, sobre o risco à população – que é a que deveria guiar qualquer debate sobre o tema -, as chances de a eleição ser adiada seriam calculadas junto à curva do contágio e ao grau de sua gravidade. E isso nos diria ainda este mês, ser muito prematuro considerar a possibilidade real de adiarmos as eleições. Só que a resposta a essa segunda pergunta já não depender apenas de acompanharmos, com sensatez, os boletins da OMS e realizarmos ajustes pontuais compatíveis com as medidas sanitárias aplicáveis a cada cenário. Entra aqui o fator político.

O discurso que se tem difundido é que não conseguiremos restabelecer o contexto de normalidade exigido para as eleições, e que isso, por si só, mesmo que superado o cenário de rápido contágio e mortes, seria suficiente para justificar o adiamento. Essa semana, as preocupações com a economia engrossaram o coro, com propostas de que o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas e mesmo o orçamento da Justiça Eleitoral sejam redirecionados para subsidiar a recuperação do mercado.

Notem que, assim como a própria pandemia, os discursos escalonam de forma exponencial – saímos, dias atrás, da ideia de que adiar as eleições seria uma medida excepcional que somente se justificaria para evitar a dispersão feroz do coronavírus, para estarmos neste momento discutindo se vale mesmo a pena destinar recursos públicos para as eleições. De repente, o adiamento do pleito passa a ser apresentado como um desdobramento aceitável, não como uma questão central. E isso é preocupante.

O que diz a legislação sobre prazos? Do ponto de vista jurídico, “adiar a eleição” significa aprovar uma emenda constitucional que modifique a previsão de que as eleições ocorrem sempre no primeiro domingo de outubro do último ano dos mandatos. A duração dos mandatos também é prevista na Constituição: quatro anos no caso de prefeitos e vereadores. As diversas etapas do processo eleitoral também têm prazos para serem concluídas. Por exemplo, a filiação partidária e o domicílio eleitoral devem ser definidos por pretensos candidatos até seis meses antes da eleição (no caso o dia 4 de abril). Já os eleitores podem transferir seu título até 151 dias antes do pleito. As convenções partidárias começam no final de julho, o registro dos candidatos é feito até 15 de agosto. Logo depois começa a propaganda eleitoral. São todos prazos constitucionais e legais. Por isso, deve-se desfazer a impressão de que bastaria ao Tribunal Superior Eleitoral alterar o “calendário eleitoral” para resolver o problema. Aliás, essa foi a resposta dada pelo Tribunal, em março, sobre a consulta que lhe foi dirigida com tal propósito.

Ainda que agora tramite no âmbito do Congresso, uma alteração não seria simples. No centro de todo o debate está a regra da anualidade eleitoral. Ela própria é prevista na Constituição. Diz, em síntese, que todas as normas que regerão uma eleição devem estar vigentes um ano antes da realização desta. Assim, em 4 de outubro de 2019, estavam conhecidas todas as normas a serem aplicadas às Eleições 2020. Por isso, além de proporem a emenda para alterar a data da eleição, os parlamentares teriam que lidar com o fato, evidente, de que a promulgação dessa emenda se dará a menos de um ano da data do primeiro turno de 2020. Destarte, adiar as eleições deste ano só seria possível ou inevitável caso a pandemia se prolongasse por um longo período, algo que ninguém deseja que aconteça.

Apenas para acrescentar mais um dado: “nos Estados Unidos, onde também teremos eleições neste ano para presidente, já se comenta sobre a possibilidade de adiamento”. O presidente Donald Trump tem se virado nos trinta para não perder popularidade com a pandemia que se abateu com força por lá, também tem tido recaídas sobre impor ou não as quarentenas. No momento ele acaba de decretar a extensão da quarentena, especialmente em estados do norte do país. Sem falar do trunfo que está em suas mãos, aprovado pelo congresso norte-americano: R$ 2 trilhões para que ninguém fique sem dinheiro em tempos de crise. E como Bolsonaro se guia muito pelo que Trump faz ou diz, pode ser que por aqui ele desista de radicalizar e se coloque como um verdadeiro estadista que pensa e faz pelo povo.