PRESIDENTE TERIA CAÍDO NA REAL?

Jornal O Povo

Talvez seja por causa dos problemas judiciais, talvez seja por causa da prisão de alguns dos devotos mais radicais, talvez a apreensão de arquivos virtuais – mas, seja por qual for o motivo, o presidente Bolsonaro parece estar em nova fase: a de Mito Paz e Amor.

O novo ministro da Educação que escolheu pode ser bom ou ruim, mas é uma pessoa normal, que jamais chamaria a mãe de um crítico de “égua sarnenta” ou “cachorro pulguento”. Ministros seus fizeram gestos de paz ao Supremo e ao Congresso, e – surprise! – Bolsonaro até se mostrou solidário com os 50 mil mortos do coronavírus, e pediu ao presidente da Embratur, Gilson Machado, que tocasse na sua sanfona a belíssima Ave Maria, de Gounod. Está bem, Machado está longe de ser um Dominguinhos na sanfona, não tem a voz de um Caruso, mas valeu pela homenagem. Se foi de fato pra valer, claro que valeu, mas…

COM ELE É SEMPRE UMA INCÓGNITA

Com Jair Messias Bolsonaro (O Mito) nunca se sabe, mas aparentemente ele parece ter optado pela suspensão das ameaças. Como já é de conhecimento público, ele se aproximou do Centrão, que prefere um ótimo acordo frente a uma boa briga – além de manter-se mais afastado dos devotos do cercadinho, onde costumava fazer declarações explosivas. E passados muitos dias da prisão de Fabrício Queiroz, Bolsonaro nada comentou – nem sobre o preso, nem sobre Frederick Wassef, ao mesmo tempo advogado de Flávio Bolsonaro, de Queiroz e dele próprio. Carluxo, o mais belicoso dos filhos, retornou às atividades na Câmara Municipal do Rio, ficando longe do Planalto (estaria dando um tempo).

Sara Winter

Os devotos continuam ferozes, pedindo briga, mas, sem apoio presidencial, até quando? Sua líder, a tal de Sara Winter hibernou, literalmente, e hoje está em casa amargando uma tornozeleira eletrônica na canela.

ESTARIA ELE REVENDO SEUS CONCEITOS?

Os novos ministros são mais conciliadores que os anteriores. Fábio Farias, das Comunicações, tem ótimo relacionamento no Congresso. Carlos Alberto Decotelli, da Educação, apesar dos pesares, deixou boa impressão no meio político, dos tempos em que esteve na presidência do FNDE, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – embora ainda não tenha explicado quem foi o responsável por uma concorrência que o Tribunal de Contas anulou, na qual seriam comprados vários computadores para cada aluno. E, além de ter deixado boa impressão, tem outras vantagens: não é nem Weintraub nem olavista. Tem aquele probleminha da “tese” na Universidade da cidade de Rosário (Argentina), mas acho que isso é um mero detalhe que será resolvido.

MAS A PROLE TEM QUE PARAR DE ATRAPALHAR

A corda foi muito esticada, mas talvez ainda seja possível o retorno – se os filhos colaborarem, se o próprio presidente se contiver, se os inquéritos e ações judiciais não puserem seu mandato em risco. E há alguns pontos, neste momento, em favor de Bolsonaro: embora a pesquisa Datafolha indique que ampla maioria acha que ele sabia onde Queiroz estava, esse fato não abalou sua popularidade. Houve uma ligeira queda, de um ponto percentual, dentro da margem de erro. E, por esses dias, o presidente inaugurou o primeiro reservatório no Ceará que recebe água da transposição do rio São Francisco – obra que se arrastava desde D. Pedro 2º. Justo no Ceará, comandado pela família do adversário Ciro Gomes. Isso deve elevar seu índice nas pesquisas. Claro que ele não citou os presidentes Lula, Dilma e Temer, que antes dele participaram da construção do canal. Apesar de ter viajado de Brasília até lá no famoso AEROLULA, tão criticado por sua aquisição. Mas este também é um mero detalhe.

FILHOS SÃO SEMPRE PROBLEMAS?

O senador Flávio Bolsonaro ganhou no Tribunal de Justiça do Rio e terá direito a foro privilegiado (por enquanto), por ser deputado estadual na época do episódio das rachadinhas. A decisão permite que o julgamento ocorra em segunda instância, pulando a etapa do juiz único. Talvez essa vitória, que o afasta do juiz Flávio Itabaiana, leve também à anulação da prisão preventiva, ordenada pelo juiz, no mesmo processo, de Fabrício Queiroz (coisa que não podemos acreditar), já que depois de apagarem o Adriano, Queiroz ficaria também na mira. Mas a questão deve ser observada com cautela: o Supremo já decidiu várias vezes que, ao deixar o cargo que lhe dá direito ao foro especial, o cidadão passa a ser julgado em primeira instância (o que acontece, por exemplo, com o ex-presidente Michel Temer). Há uma diferença entre ambos: Temer não mais ocupa cargo público e Flávio passou de deputado estadual a senador, sendo que senador também tem foro especial. Mas o foro vale para problemas ocorridos em função do mandato. O caso de Flávio ocorreu em outro mandato. Vamos aguardar pra ver o que dirá o STF?

A TRAJETÓRIA DO RESFRIADINHO

Em Brasília, no dia 25 de maio, com tudo fechado, houve 6.930 casos de Covid, com 114 mortes. No dia 26 houve o afrouxamento das restrições, com abertura do comércio. Um mês depois, 24 de junho, houve 37.254 casos, com 495 mortes. As associações de comerciantes haviam prometido erguer um hospital de campanha com 300 leitos de UTI, o impacto previsível. O impacto foi pouco maior, porém os lojistas não cumpriram a promessa. No dia 25 de junho, havia 95 pessoas esperando lugar na UTI. Mas o problema não é apenas de promessas descumpridas: Israel, que havia levantado boa parte das restrições, fechou-se de novo; Portugal também; e, nos EUA, o número de casos e de mortes bateu recordes neste fim de semana.