HISTÓRIA: CHE GUEVARA – UM LÍDER REVOLUCIONÁRIO

Jornal O Povo SC
Monumento a Che em Havana - Cuba

Uma história difícil de ser contada, especialmente neste momento quando muitos falam em “esquerdopatia” e outras “empatias”, mas que sem dúvida existiu, foi real, apesar de que até hoje muitos ainda discordam dela.

Estamos falando do mito Ernesto (Che) Guevara, nascido na Argentina, vitorioso em Cuba, morto aos 39 anos na Bolívia, um verdadeiro cidadão latino-americano amparado na simplicidade como todos os mitos, que teve a coragem de abandonar poder, pompa e prestígio, trocando tudo que lhe restava – sua própria vida – pela ideia de novas aventuras mundo afora.

Che tinha tudo para se tornar um imortal: era bonito, destemido, mas morreu jovem defendendo conceitos igualmente jovens como a solidariedade e a justiça social. Sonhou com um novo homem para o século XXI e viveu como o homem mais completo do século XX, segundo a clássica definição de Jean Paul Sartre. Che foi radical, moralista e consequente. Um ícone da geração dos anos 1960, mas ironicamente nunca chegou a usar jeans. Passou direto das calças normais para o uniforme de guerrilheiro. Viveu num mundo sexualmente revolucionário, mas era casto. Tornou-se símbolo da boemia embora praticamente não bebesse.

“Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”

Ernesto Guevara de La Serna nasceu antes do tempo. Seus pais deslocavam-se da província de Misiones – nordeste argentino encravado entre o Brasil e o Paraguai – para Buenos Aires, em busca de melhores cuidados médicos para o parto, quando ele nasceu a 14 de maio de 1928 na cidade de Rosário. O “Che” mesmo, só viria aparecer 28 anos depois

Chê ainda na Argentina aos 17 anos

quando seu destino se encontraria mesclado aos exilados cubanos que formulavam planos para derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista (então mandatário da famosa ilha). A partir daí, Guevara passou a chamar a atenção dos caribenhos pelo uso dessa interjeição característica dos argentinos, que lhe valeria o famoso e imortal apelido: “CHÊ”.

“Nós fomos forjados na ação cotidiana, criando um homem novo com uma nova técnica”.

COMEÇO DA AVENTURA

Che já em Sierra Maestra na ilha de Cuba (AP Photo/Andrew St. George)

Em 1952, com uma carta de apresentação para Garcia Gomes, então diretor artístico da Rádio América de São Paulo, Che Guevara vem ao Brasil pela primeira vez. Seu destino, a Guatemala, onde desembarcaria a 24 de dezembro de 1953, acompanhado de Ricardo Rojo e do doutor Eduardo Garcia, também exilado argentino.

Um golpe militar organizado pelos Estados Unidos derruba o governo guatemalteco e Che é obrigado a sair do país sob risco de vida, pois apoiava o regime anterior. Muda-se para o México, onde conhece Hilda Gadea Acosta que se torna sua companheira e com quem tem uma filha. Ainda em território mexicano, em 1955, encontra-se pela primeira vez com Fidel Castro e decide participar do Movimento Revolucionário de Cuba que visava derrubar o governo do então presidente Batista.

No ano seguinte, 1956, precisamente no dia 25 de novembro, Che parte no iate Granma que levava a missão de invadir Cuba. No comando do pequeno barco estava o futuro dirigente cubano Fidel Castro e dezenas de revolucionários. Che é o médico deles. Em 1957 o grupo instala-se em Sierra Maestra onde organiza a revolução cubana sob fortes ataques do exército de Batista. Che torna-se um guerrilheiro comandante.

HISTÓRIAS INSÓLITAS

Che já em Sierra Maestra na ilha de Cuba

Ernesto nasceu com um físico excelente, mas, devido a uma pneumonia, quando tinha 15 anos, ficou propenso a afecções pulmonares. Aos dois anos teve seu primeiro ataque de asma, doença que ao longo dos anos foi um tremendo obstáculo em sua vida. Quando Ernesto esteve no México, escalou montanhas como treinamento, algumas com mais de 5 mil metros de altura. Era seu primeiro teste para estar em forma quando chegasse a Cuba na condição de guerrilheiro.

CHE EM BRASÍLIA

Em 1961, depois de passar pela Argentina e Uruguai, Ernesto Guevara deixou os pampas sulinos rumando para Brasília. Na capital brasileira aconteceu um ato ainda mais breve que o de Buenos Aires, onde havia estado dias antes, mas que resultou bem mais dramático. No dia 19 de agosto o presidente Jânio Quadros condecorou Guevara com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, durante cerimônia no Palácio do Planalto. Guevara desconhecia o protocolo de seu encontro com o presidente brasileiro, até que este se realizasse. De maneira que, não só ignorava que receberia uma condecoração, como também o caráter oficial do encontro.

Jânio acabava de formular uma declaração dirigida à União Soviética solicitando apoio russo ao desenvolvimento do Brasil, alegando cooperação ocidental insuficiente. Guevara não tinha como retribuir a condecoração, como é usual nesses casos, e o discurso de Jânio fora extremamente breve. Guevara preferiu responder com a mesma brevidade, aceitando a distinção como entregue ao governo revolucionário e ao povo cubano, sem significado pessoal.

A conversa com Jânio girou em torno dos mesmos temas do encontro que Che havia tido com Frondizi, na Argentina, ou seja, a conveniência de não aderir ao Pacto de Varsóvia, e insinuações sobre a democracia representativa, porta aberta para Cuba na organização norte-americana.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro e em São Paulo as massas lançavam-se às ruas. Levavam grandes cartazes de Che e bandeiras cubanas. Um escândalo nas mesmas proporções do que estourou na Argentina, com a diferença de que Jânio, uma semana depois, a 25 de agosto de 1961, abandonava o governo sob ameaças da direita, num inexplicável arrebatamento de amargura e derrota.

Enquanto isso em Washington, o terceiro sócio invisível da viagem de Che, John F. Kennedy (presidente dos EstadosUnidos) também sofria

uma investida de parte de seus inimigos. Os exilados cubanos, ressentidos com o não-consentimento de Kennedy, para que pudessem bombardear seu próprio país pelo ar, encabeçavam a agitação. No Senado americano teciam-se conspirações para colocar o presidente em dificuldades.

Che em Moscow – Russia

TRÊS PRESIDENTES, TRÊS HISTÓRIAS

Um presidente, Jânio Quadros, não pode aguentar a visita de Che e renunciou uma semana depois. Outro presidente, o argentino Arturo Frondizi, recebeu tamanha quantidade de ataques que antes de completar sete meses também foi derrubado. Um terceiro presidente, John Fitzgerald Kennedy (EUA), a quem coube o papel equívoco de invasor armado e reabilitador diplomático, que viria a ser assassinado dois anos mais tarde, numa obscura confabulação em que as relações com a Ilha de Cuba foram fatores de suma transcendência.

“Quanto a mim, na cama é que não vou morrer”, disse Che certa vez.

CHE A SUAS ANDANÇAS

Foi em Montevidéu (Uruguai) que pistoleiros atentaram contra pessoas que assistiam um ato multitudinário, realizado na universidade uruguaia, onde Che encerrava a Conferência de Punta Del Este. Nunca se chegou a saber se os atacantes tinham a intensão de matar Guevara, mas um professor foi assassinado e diversas pessoas ficaram feridas. No entanto, Guevara tinha já, àquela época, tantas balas dentro do corpo e tantas cicatrizes de combate que os disparos estouravam a seu redor sem que ele sequer perdesse a calma.

Ernesto Che Guevara, um homem curtido pela guerra, foi o encarregado de levar a cabo uma das operações diplomáticas mais escabrosas e difíceis dos últimos tempos. Depois de cumprir sua missão em Cuba, Che não parou: foi para a África lutar em favor dos mais fracos, onde teve tantas e diversificadas aventuras durante toda sua estada em terras africanas.

Voltou para a América do Sul, onde quis o destino viesse encontrar a morte nas montanhas inóspitas da Bolívia, onde seu corpo foi enterrado como desconhecido até que seus restos mortais fossem encontrados numa cova rasa.

Che com Jânio Quadros em Brasília em 1961

No dia 26 de setembro aconteceu um combate em Higueras, bem próximo à quebrada de Yuro. Foi longo e à luz do meio-dia, o que os fez abandonar os seus mortos, entre eles o boliviano Roberto Peredo. Acabavam de se reabastecer de provisões e medicamentos quando apareceu uma patrulha do exército boliviano e tiveram que travar nova batalha. Os assaltantes os rodeiam e Che cai prisioneiro.

Sua sorte passa a depender então de dois homens, um deles é o capitão Gary Prado Salgado, chefe de uma Companhia de Rangers do 2º Regimento, que o capturou, e o outro é o coronel Andrés Selnich, comandante do 3º Grupo Tático, superior hierárquico do primeiro.

Prado é um militar educado nos Estados Unidos, um aristocrata a quem os soldados chamavam respeitosamente de “Cavalheiro Inglês”. Selnich, a seu modo, também é um aristocrata. Num exército em que nove em cada dez possuíam sangue indígena, o coronel Selnich tinha sua raiz étnica européia, e era isso que o distinguia dos demais.

Guevara conversa com os dois. Interessa-se em saber a que unidades pertencem, suas formações profissionais, se estiveram na escola de contraguerrilha do Panamá. Em seu íntimo, Che sofre com as feridas e enfraquece visivelmente, embora não apresente nenhuma hemorragia visível.

Os militares se preparam para transportá-lo a Higeras. Quatro soldados o levam estendido sobre uma maca do exército, e o deixam num cômodo vazio de uma escola do povoado. Lá fora, durante várias horas há uma intensa expectativa entre os oficiais e muitos comentários e murmúrios entre os soldados. Inúmeras consultas se sucedem entre os captores e as autoridades militares, principalmente com o coronel Joaquin Zendeno Anaya, que comandava a 8ª Divisão do Exército e mantinha contatos telefônicos com La Paz. Na manhã do dia 9 de outubro as consultas chegam ao fim: Che seria executado naquela mesma manhã.

No lugar de onde se encontrava prisioneiro, Che estava sentado no chão, as costas apoiadas na parede. Ofega debilmente e distingue com dificuldade, devido à má iluminação do ambiente, a entrada de duas pessoas. Era 8 de outubro de 1968.

O capitão Prado aproxima-se por trás e dispara uma rajada de metralhadora no pescoço, de cima para baixo. Quatro balas atingem o alvo. O coronel Selnich aproxima-se e dispara uma única vez sua pistola 9mm. A bala atravessa o coração e o pulmão. É o tiro de misericórdia. Che está morto!

Quando tentaram retirá-lo do lugar do crime, os dois verdugos não conseguiram ocultar um estremecimento de terror. Che Guevara tinha os olhos muito abertos e serenos, num sorriso que para eles significava desdém, não por eles, mas por tudo o que havia passado.

“O nosso sacrifício é consciente, é a quota a pagar pela liberdade”.

HERÓIS COM CAUSA

Segundo o historiador inglês Eric Hobsbawn, “a moda é frequentemente profética”. Na mesma linguagem de James Dean, John Lennon ou Jimi Hendrix, Che Guevara foi um herói cuja vida e juventude encerrou-se ao mesmo tempo, abruptamente, congelando o mito. Se fosse vivo, Guevara teria hoje 92 anos. Mas isto não faz diferença. Ainda hoje, nas montanhas de Chiapas ou nos acampamentos dos sem-terra brasileiros, ele está muito mais vivo agora, 52 anos após sua morte, do que o próprio Fidel Castro, cujo regime de governo há muito ficou ultrapassado.

PS: Alguém pode afirmar, em sã consciência, que Che nada teve a ver com História do Brasil a partir dos anos 1960? Com a renúncia de Jânio 59 anos atrás? Ou com o advento da Ditadura Militar? Ou com as próprias eleições dos anos que se seguiram? Fica a questão!