Neste ponto creio que todos concordarão comigo. O presidente Bolsonaro foi agressivo e radical, mas em que pese tudo o que disse, o texto de seu discurso se manteve dentro da lei.
Entretanto, o que pesa sobre o ato é que ele compareceu a uma manifestação pelo fechamento do Congresso e do Supremo, pela intervenção militar, pela volta do AI-5, ato que marcou o mais terrível momento da ditadura. A claque alvoroçada, aos gritos exigia a volta da ditadura.
Bolsonaro poderia rejeitar esses apelos da turma, mas não rejeitou, e ainda participou junto. Na segunda-feira pela manhã virou o disco. É provável que tenha errado no cálculo, percebido o erro e voltado atrás. Falando para os que o esperavam na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro garantiu que é um democrata, que jamais pensou em fechar Congresso e o Supremo. E ainda passou um “pito” num loque que voltou a insistir no fechamento do STF. Analisem comigo: se Bolsonaro não quer o golpe, deu a impressão de que quer. Com isso acabou unindo contra si todos que se opõem a ditaduras. Caso tente o golpe, pode perder – e, no caso, perde tudo. Ou ganhar – e, no caso, por que generais da ativa iriam obedecer a um cavalheiro que só chegou a tenente e passou a capitão apenas por promoção automática, ao deixar a farda? Como presidente ele é o comandante em chefe das Forças Armadas por ter sido eleito para o cargo. Após um golpe, voltaria a ser apenas uma patente inferior mandando nas patentes superiores. Só para lembrar parte da história, na sucessão do presidente Emílio Garrastazu Médici, o general Albuquerque Lima era forte, mas perdeu por ter três estrelas e não quatro. E a Censura proibiu qualquer referência a ele. Na sucessão do presidente Ernesto Geisel, o ministro e coronel do Exército, Jarbas Passarinho – com carreira militar e grande experiência política, bom de voto, e também muito forte. Perdeu quando o ministro da Guerra, general Orlando Geisel, disse que não obedeceria a um coronel. Hierarquia é hierarquia, e isso não muda. Assim também não mudaria agora no caso de um golpe militar. Bolsonaro será apenas um capitão, muito aquém do generalato.
PLANO MARSHALL Á VISTA
Com a coordenação do ministro da Casa Civil, general Braga Netto, o projeto do governo de resgate econômico após o pico da pandemia faz lembrar o Plano Marshall, pós-II Guerra Mundial. Segundo o primeiro rascunho do plano, o governo acredita que o investimento público em infraestrutura é uma das formas de retomar o crescimento. No entanto, essa estratégia desenvolvimentista vai contra a filosofia liberal de Paulo Guedes. O ministro da Economia acredita que o caminho da reabilitação passa por privatizações e congelamento de salários de funcionários públicos estaduais e municipais. Entre os dois projetos, Bolsonaro parece já ter feito sua escolha. Seria o fim da hegemonia do Posto Ipiranga na política econômica?
Aceitando opiniões contrárias este colunista acredita que sempre esteve correto ao afirmar que precisávamos de uma liderança mais firme, com conhecimento e um nível de ambição similar ao “Plano Marshall”. A ideia de conceder incentivos do governo para lidar com a crise do novo coronavírus vem sendo defendida em várias partes do mundo, inclusive por empresários brasileiros, que também repetem a analogia com o Plano Marshall, um programa histórico que se tornou sinônimo de ação governamental coordenada.
MAS O QUE FOI O PLANO MARSHALL?
Foi nada mais nada menos que um aprofundamento da Doutrina Truman (ex-presidente norte-americano, Henry Truman), que se tornou no principal plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. A iniciativa recebeu o nome do Secretário de Estado à época, George Marshall. Agora, por aqui o chefe da Casa Civil do Governo brasileiro, o general Braga Neto determina sejam aplicados vultosos investimentos em infraestrutura no País. Mas isso deixa resquícios. Derrotado, o ministro da Economia, Paulo Guedes disse que isso é a volta do ‘modelo Dilma Rousseff’. Chamado de pró-Brasil, o programa, que chegou a ser apelidado inicialmente de Plano Marshall brasileiro, prevê um incremento de R$ 300 bilhões, sendo R$ 250 bilhões em concessões e parceria público-privada e outros R$ 50 bilhões de investimento públicos. A coordenação será do próprio ministro Braga Netto. O governo federal decidiu retomar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que marcou a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (que fracassou em parte pela demora na aplicação dos recursos), renomeando o mesmo de ‘Pró-Brasil’. Esse novo ‘Plano Marshall’ representa uma derrota decisiva para o modelo neoliberal de Paulo Guedes, que até aqui foi incapaz de oferecer saídas para a crise econômica. O novo PAC será conduzido pelo general Braga Netto, que assume o papel de homem forte da economia. O programa Pró-Brasil – que o governo anuncia como a panaceia para a recuperação econômica do país após a pandemia do coronavírus – foi lançado na quarta-feira (22) pelo ministro da Casa Civil. O ministro da Economia, Paulo Guedes, não se sabe o porquê, não participou do anúncio. Ele e sua equipe divergem do plano por implicar no aumento do gasto público.
Braga Netto falou sobre a aceitação unânime do programa em todos os ministérios, mas a ausência de Paulo Guedes foi um sinal das divergências existentes dentro do governo. Além disso, não houve anúncio do volume de recursos públicos que pode ser desembolsado. A primeira reunião de trabalho será nesta sexta-feira, 24, quando cada ministro vai levar as suas propostas. A fase de estruturação será feita entre maio e julho. Os detalhes dos projetos serão feitos em setembro para a implantação a partir de outubro. Este colunista que até aqui estava cético quanto a alguns planos citados e não efetivados, tende a crer que sob o comando de Braga Neto a tendência é de que a partir de agora o governo começa encontrar o caminho correto para dar um UP em sua gestão. Alvíssaras!
ERROS COMETIDOS POR BOLSONARO
Na crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro acorrentou a sua Presidência ao erro. Aos poucos, o capitão vai compondo uma espécie de antimanual. É como se desejasse realçar os equívocos, cometendo-os em série. Se a estratégia de Bolsonaro funcionar, ele será candidato a gênio da humanidade, não apenas à reeleição. Por enquanto, frequenta a conjuntura mundial na companhia dos ditadores da Bielorússia, do Turcomenistão e da Nicarágua.
SUBSTIMA OS PROBLEMAS: Submetido a uma crise, o presidente precisa dimensioná-la. Nessa hora, convém olhar para o que há diante seus pés. Em 10 de março, discursando para empresários em Miami, Bolsonaro preferiu olhar para as nuvens. Declarou que muito do que se falava sobre coronavírus era “fantasia”. Bolsonaro soou enfático: “Não é isso tudo que a grande mídia propaga.” Horas depois, o orador viajaria de volta para o Brasil trazendo no avião presidencial uma comitiva com mais de duas dezenas de infectados com o coronavírus. Olhando para o céu, entrou na crise com o pé esquerdo. Não enxergou a cratera à sua frente.
PERDE A OPORTUNIDADE: Um presidente não consegue realizar todos os seus sonhos. Mas pode evitar a realização de alguns dos seus pesadelos caso encare a crise como oportunidade. O coronavírus ofereceu a Bolsonaro a chance de agigantar-se, comandando um esforço nacional de guerra capaz de unificar a federação. Mas ele preferiu abster-se. Em vez de elevar sua estatura, Bolsonaro rebaixou o pé-direito do gabinete presidencial. Não se deu conta do seguinte: cada vez que um presidente imagina que um problema de proporções nacionais não é seu, sua atitude passa a ser um dos principais problemas.
FABRICA DE BRIGAS: Para um presidente, só há uma coisa pior do que uma crise: duas crises. Ou três crises. Ou quatro. Num instante em que precisaria colecionar aliados, Bolsonaro fabricou brigas. Converteu seu filho Carlos Bolsonaro no primeiro vereador federal da história. Transferido da Câmara Municipal do Rio para uma sala no Planalto, o Zero Dois dedica-se a criar os fantasmas que assombram Bolsonaro. Hospedado no Alvorada, leva trabalho para casa, estimulando o pai a tirar sangue das assombrações. O capitão juntou na trincheira oposta governadores, prefeitos, Congresso e Supremo. Brigou com todo mundo, menos com o vírus.
CONFUNDE A IMPRENSA: À frente de uma Presidência piromaníaca, Bolsonaro abusa do velho truque de atribuir ao pedaço da imprensa que o ´imprensa` um comportamento incendiário. Ofende a lógica e a inteligência alheia. A imprensa não produz fogo. Ela apenas expõe a fumaça, as fagulhas e as chamas. Se Bolsonaro mudar seus hábitos, abandonando a caixa de fósforos e o galão de gasolina, a imprensa mudará de assunto. Numa crise, se o presidente começasse a produzir soluções (como essa que o general Braga Neto propõe), as manchetes que insistissem em tratá-lo como parte do problema perderiam o nexo e a credibilidade.
SEGUE MAUS CONSELHOS: Numa crise, brotam conselheiros ao redor do presidente. Bolsonaro ouviu gente sem farda e militares. Confundindo civis com civilidade, adotou sugestões de personagens como o filho Flávio Bolsonaro e o amigo Osmar Terra. Do primogênito, recolheu a sugestão de contrapor a saúde da economia à vida das pessoas. Do amigo, adotou a tese de que os jovens deveriam desafiar o vírus nas ruas. Isolamento? Coisa para velhos. Confundindo generais com generalidades, Bolsonaro adotou a moderação recomendada pelos seus ministros militares apenas como encenação. O bom senso manifestado num instante foi substituído pela retórica encrespada no momento seguinte. Faltou a Bolsonaro seguir o único conselho útil a qualquer presidente: nunca deixe para amanhã um mau conselho que você pode deixar hoje.
APOSTA NAS CONFUSÕES: Durante uma crise é essencial que o presidente inspire confiança. Bolsonaro enfrenta a crise do coronavírus cavalgando a ambiguidade. Exibe firmeza típica de um sujeito que, para pregar um prego sem o risco de machucar o dedo, segura o martelo com as duas mãos. Alegou ter demitido o ortopedista Mandetta porque ele defendia o isolamento social sem levar em conta a proteção dos empregos. Nomeou para o lugar de Mandetta o oncologista Nelson Teich. Que fala de economia, mas não encampa o anti-isolacionismo do novo chefe, com quem diz ter “alinhamento completo”. O risco desse tipo de união é o de acabar como mais um desses casamentos em que o marido e a mulher atingem um estágio em que jamais discutem, porque se dão conta de que, na verdade, já nem se falam.
PREOCUPADO COM 2022: De erro em erro, Bolsonaro conseguiu transformar o som das panelas na trilha sonora do resto do seu governo. O alarme da impopularidade soa nas janelas, nas varandas e nas redes sociais numa intensidade com a qual o capitão não estava acostumado. Pela primeira vez desde a posse, Bolsonaro enfrenta um opositor real: o vírus. Numa crise, o presidente deve pisar a conjuntura de mansinho, desviando dos espinhos. Bolsonaro prefere apostar alto. Se estiver certo na sua aversão a um isolamento social adotado ao redor do mundo, ele se tornará candidato a gênio do século. Se estiver errado, fará campanha em 2022 não em cima do palanque ou nas redes sociais, mas ao lado de uma pilha de cadáveres.
AS ARMAS QUE FALAM
O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e o presidente do STF, ministro Dias Toffoli tiveram uma conversa sobre a manifestação de domingo. Nenhum deles revelou nada, mas Toffoli parecia mais tranquilo após a conversa. Mais tarde, o ministro emitiu nota lembrando que as Forças Armadas “trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal”. Isto nem precisaria ser lembrado, é constitucional. Mas o general Fernando Azevedo aparentemente não quis deixar qualquer dúvida no ar. Nota 10 pra ele. Porém, se os manifestantes favoráveis à intervenção militar acham mesmo que esta é a solução certa, eu digo que há um caminho bem mais fácil: convençam Bolsonaro a renunciar. Assim assume o vice, Hamílton Mourão, general de quatro estrelas, com grande prestígio nas Forças Armadas. O desejo dos manifestantes estaria sendo atendido e eles teriam um general no poder.
ESQUECE QUE TEM OUTRO LADO
O ministro Alexandre de Morais, do STF, autorizou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a abrir inquérito sobre as manifestações em favor da ditadura. Aras deve apurar se teve infração à Lei de Segurança Nacional “por atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF”. O que disse Aras? Ele disse que o Estado
brasileiro admite uma única ideologia, que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afrontaria a Constituição e a Lei de Segurança Nacional. Bolsonaro, que compareceu à manifestação de Brasília e discursou, não é citado e não será investigado, a menos que haja indícios de que ajudou a organizar o movimento. Será que ajudou?
O CÔNCAVO E O CONVEXO
Bem lembrou o amigo Carlos Brickmann que há muitos anos o notável meteorologista Rubens Junqueira Vilela era o responsável pelo setor na Folha de S.Paulo. (Era o homem do tempo). Mas, apesar de seu sempre bom texto, poucos na Redação se davam ao trabalho de lê-lo. Tão logo ele entrava, todos sabiam como seria o tempo. Se estivesse de guarda-chuva, iria chover. Se estivesse agasalhado, iria esfriar. Os colegas se guiavam pela maneira que ele se vestia e pelos instrumentos que ele trazia consigo. Mas o que tem isso a ver com Bolsonaro. Tem muito. Bolsonaro se veste de camaleão às vezes, noutras de coveiro. Vocês conhecem a piada. Faz que vai mas não vai. Pelo menos até aqui nunca passou a linha demarcatória.
ATUALIZANDO OS DIAS ATUAIS
O presidente esteve na manifestação antidemocrática e não disse nada diante dos gritos pela volta do Ato 5 e outros mais. O filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, disse ainda antes das eleições de 2018, que para fechar o Supremo bastariam um cabo e um soldado – e papai nada comentou. Mas deve ter gostado. Começavam a pôr as manguinhas de fora. O ministro das Relações Exteriores (adorador contumaz de Trump), Eduardo Araújo, publicou em seu Twitter foto da manifestação de domingo e seu chefe, o presidente, que permaneceu em silência. Bolsonaro efetivamente fez declarações pró-democracia a partir de segunda-feira. E, se visto sem má vontade, seu discurso foi radical, mas ficou nos limites da lei. No entanto, gente próxima a ele foi simpática ao ato, e até já havia se manifestado contra as instituições. E ele sempre garantiu que não houve ditadura nem tortura. E, como já disse alguém: “façam o que eu digo” ou “não façam o que eu faço”?
IMPEACHMENT É POSSÍVEL
Na tarde de quarta-feira (22) o jurista Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou durante uma live no site
UOL Debate que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “se expõe a um processo de abertura de impeachment” quando fala contra o isolamento social, contra outras recomendações de saúde e participa de protestos pedindo o fechamento do Congresso. Ayres Britto lembrou que ofensas contra “o cumprimento de decisões judiciais” e ações que violem o “livre exercício do Poder Judiciário e do Poder Legislativo” são puníveis na Lei de Responsabilidade, o que pode gerar um processo de impeachment. As considerações do ex-ministro tinham como norte o tema do debate: os limites jurídicos do presidente durante a pandemia do coronavírus. Também participaram Gilmar Mendes, ministro do STF, o deputado federal Felipe Francischini (PSL-PR), que preside a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara; e Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A conversa foi mediada pelo colunista do UOL Reinaldo Azevedo. Por todas essas observações sugerimos ao presidente que dê uma maneirada no seu jeito de atuar e agir, porque às vezes quem tudo quer, tudo perde!
Radialista e Jornalista Profissional desde 1979 – Registro no MTF/PR Nº 0888 – Foi diretor de imprensa em prefeituras no Paraná e Santa Catarina. Atualmente aborda assuntos com foco no contexto do cenário político brasileiro e mundial. Como colunista de O Povo, traz análises e notícias exclusivas dos bastidores de temas diversos e relevantes para os catarinenses.
E-mail: pimentel.ddc@gmail.com