OS CAMINHOS TORTUOSOS DE BRASÍLIA

Jair e Sérgio – Os dois já vinham se bicando há tempos

Passados menos de um ano e quatro meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro já se desfez de meia dúzia de ministros, numa demonstração de que não há limites sobre onde quer chegar…

Folha adere ao impeachment de Bolsonaro. Em editorial na primeira página, o jornal aponta crimes de Jair Bolsonaro e defende investigação que leve a seu afastamento. O jornal Folha de S. Paulo, que apoiou o golpe de estado contra a ex-presidente Dilma Rousseff, agora defende que Jair Bolsonaro, subproduto daquele golpe, seja afastado pelos crimes que cometeu e que foram revelados na sexta-feira por Sergio Moro. O editorial do jornal diz que “são gravíssimas as acusações do ministro demissionário da Justiça, Sergio Moro, contra o presidente da República. Que a partir delas, torna-se inescapável que as autoridades competentes abram investigações para apurar crimes comuns e de responsabilidade atribuídos a Jair Bolsonaro”.

O texto aponta que: “nos crimes de responsabilidade, cuja competência para apurar e julgar é do Congresso, Bolsonaro terá ofendido o capítulo que pune com perda do cargo e cassação dos direitos políticos os atos de improbidade do mandatário, como expedir ordens que contrariam a impessoalidade na administração”. Encerra afirmando que “não será sem custos que a nação enveredará por novo período de investigações contra o presidente. Esses dispositivos extremos deveriam reservar-se a situações que conjugam erosão da governabilidade e afronta à legalidade. É infelizmente o que acontece agora”.

MORO MANIPULOU A JUSTIÇA

O ministro Gilmar Mendes (STF) fez uma crítica sutil ao ex-ministro Sergio Moro, mesmo sem citar seu nome. No twitter Gilmar escreveu: “há muito critico a manipulação da Justiça, por meio da mídia e de outras instituições, para projetos pessoais de poder. A criação de heróis e de falsos mitos desenvolveu um ambiente de messianismo e intolerância. Autoritarismo judicial e político são ameaças irmãs à Constituição”. Segundo o ministro Gilmar, “o combate à corrupção exige a ação de milhares de agentes públicos e o respeito à lei e não a atuação isolada de uma pessoa. Aprendamos: não há solução democrática fora da virtude política. Que a história recente nos reserve um reencontro com o Estado de Direito”.

Ministro do STF Gilmar Mendes

PENSÃO PARA SER MINISTRO

“Quero entender que benefícios pessoais ‘para não desassistir a família’ foram prometidos como condicionante ao aceite do cargo de ministro. Ou se aceita a nomeação, ou não. Não existe lei que dê base a isso”. Foi o que disse o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, em seu twitter.

Ao anunciar sua saída do ministério da Justiça nesta sexta-feira, 24, Sergio Moro fez uma série de revelações e acusações ao governo. Entre elas, disse que a única condição que impôs para aceitar o cargo era a garantia de pensão à sua família caso algo lhe acontecesse. “Isso pode ser confirmado por Bolsonaro e pelo general Heleno, destacou”. Moro lembrou que estava deixando sua carreira de 22 anos na magistratura, abandonando, com o ato, a perda da previdência, e que precisava garantir o amparo de sua família.

“Tem uma única condição que eu coloquei – não ia revelar, mas agora acho que não faz mais sentido manter segredo. Isso pode ser confirmado tanto pelo presidente como pelo general Heleno. Eu disse que, como estava abandonando 22 dois anos da magistratura – contribui 22 anos para a Previdência e perdia, saindo da magistratura, essa Previdência -, pedi, já que nós íamos ser firmes contra a criminalidade, especialmente a criminalidade organizada, que é muito poderosa, pedi que se algo me acontecesse, que minha família não ficasse desamparada, sem uma pensão. Foi a única condição que eu coloquei para assumir essa posição específica no Ministério da Justiça”. Moro desmentiu que teria imposto também como condição uma cadeira no STF. “Nunca houve essa condição. Aceitar um cargo pensando em outro não é da minha natureza”.

DESMORALIZAÇÃO NO JORNAL NACIONAL

Sergio Moro pediu demissão do cargo de ministro da Justiça na sexta-feira com um discurso duro contra a decisão do presidente Jair Bolsonaro de trocar o comando da Polícia Federal, movimento que o agora ex-ministro disse representar uma interferência política e quebra da promessa de que teria carta-branca à frente da pasta.

Em pronunciamento no ministério, Moro revelou que na véspera, em reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto, o presidente o avisou que queria mudar o comando da PF usando como uma das alegações a preocupação com o andamento de investigações autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que serão conduzidas pela corporação. Nesse encontro, Bolsonaro disse a Moro que iria trocar o diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo.

No início da semana, o STF abriu inquérito para investigar os responsáveis pela organização de atos realizados no domingo que pediram o fechamento da corte e do Congresso Nacional e uma intervenção milita. Um desses atos — realizado no QG do Exército em Brasília — contou com a presença de Bolsonaro. A investigação, pedida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, não tem o presidente como alvo.

Moro disse que o presidente também o informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca da Polícia Federal também seria oportuna por esse motivo. “Também não é uma razão que justifique a substituição, também é algo que gera uma grande preocupação”, acusou.

No pronunciamento, de cerca de 40 minutos, Moro contou que, em mais de uma ocasião, Bolsonaro disse-lhe que queria que fosse escolhido um diretor-geral da PF com o qual ele pudesse ter um contato pessoal, “que pudesse ligar, colher informações, relatórios de inteligência”. Considerou que realmente não é esse o papel apropriado que a polícia deve se prestar.

“Sinto que tenho o dever de tentar proteger a instituição, a Polícia Federal, por todos esses motivos, eu até busquei uma solução para evitar uma crise política durante uma pandemia, acho que o foco deveria ser o combate à pandemia, mas eu entendi que não poderia deixar de lado meu compromisso com o estado de direito”, disse.

Moro disse que não poderia concordar com esse tipo de interferência que levasse a relações impróprias do chefe da PF ou de superintendentes da polícia com o presidente e que, por isso, preferiu manter-se fiel a seu compromisso. “Tenho que preservar minha biografia, mas acima de tudo, o compromisso que assumi no combate à corrupção e ao crime organizado”, reforçou ele, que ficou mundialmente conhecido pelo trabalho realizado como o principal juiz da Operação Lava Jato.

Moro afirmou que uma concordância com esse tipo de atitude poderia levar a “resultados imprevisíveis” e destacou que, mesmo durante o período de maior pressão da Lava Jato, isso não ocorreu mesmo quando a PF estava investigando o governo da então presidente Dilma Rousseff — que foi alvo de processo de impeachment.

No pronunciamento, o então ministro disse que, diante do impasse, iria entregar a sua carta de demissão ao presidente, a quem agradeceu pela nomeação, e iria “empacotar” seus pertences do ministério. Afirmou ainda que vai procurar um emprego após abrir mão de uma carreira de 22 anos como magistrado para entrar no governo com o intuito de aperfeiçoar o trabalho de combate à criminalidade, tendo como um dos principais eixos o combate à corrupção.

SEM ASSINATURA

Moro indicou ainda que a saída de Valeixo, publicada em edição do Diário Oficial da União na sexta, foi forjada. A “exoneração a pedido” de diretor-geral da PF foi subscrita com as assinaturas de Bolsonaro e do ministro da Justiça, que disse no pronunciamento não ter se pronunciado sobre o caso. “A exoneração foi publicada, eu fiquei sabendo da exoneração pelo Diário Oficial, de madrugada, eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso foi trazido, em nenhum momento o diretor-geral da Polícia Federal apresentou um pedido formal de exoneração”, disse. “Não existe nenhum pedido feito de maneira formal. Eu fui surpreendido, achei que isso foi ofensivo”, completou. Para Moro, esse foi o “último ato” que sinalizou que o presidente não queria que ele continuasse à frente do ministério.

Valeixo foi a gora d’água para Moro deixar o governo

Moro ganhou notoriedade nacional como juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, onde presidiu processos da operação Lava Jato, o mais notório deles foi o que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2018, após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmar em segunda instância a sentença de Moro que condenou o petista. A condenação na segunda instância, no processo sobre o tríplex em Guarujá (SP), também deixou Lula, com base na Lei da Ficha Limpa, impedido de disputar a Presidência na eleição daquele ano, que foi vencida por Bolsonaro.

Alçado por muitos ao posto de paladino no combate à corrupção, Moro abandonou a magistratura e aceitou convite para comandar o reunificado Ministério da Justiça e Segurança Pública em novembro, dias depois da vitória eleitoral de Bolsonaro no segundo turno contra o petista Fernando Haddad. O ministro sempre negou que tivesse acertado a ida ao governo com o presidente antes disso. Com a promessa de Bolsonaro de que teria carta-branca e apontado como um “superministro”, Moro tinha a intenção de realizar uma série de mudanças legislativas que, na sua visão, facilitariam o combate à corrupção no país. O ministro, no entanto, enfrentou obstáculos no Congresso e teve decisões suas contrariadas por Bolsonaro.

Jair e Sérgio – abraçados em 7 de setembro de 2019

BOLSONARO DIZ QUE MORO TENTOU USAR PF PARA CHANTAGEÁ-LO POR UMA VAGA NO STF

Em pronunciamento ao vivo por volta das 17h de sexta-feira, 24, Jair Bolsonaro rebateu denúncias contra o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Bolsonaro disse que Moro condicionou a substituição do ex-diretor-geral da Polícia Federal Mauricio Valeixo à indicação do ex-juiz da Lava Jato para o Supremo Tribunal Federal. “Você pode indicar o Valeixo em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal”, teria dito Moro, segundo Bolsonaro. Moro negou a acusação via Twitter. Em coletiva de imprensa, horas depois de Sergio Moro ter anunciado sua saída do governo, Jair Bolsonaro partiu pra cima do ex-ministro da Justiça e disse que não interferiu na Polícia Federal, como acusou o ex-juiz.

Rodeado de seus ministros, Jair Bolsonaro rebate as acusações de Moro

“Eu não tenho que pedir autorização” para trocar comando da PF, declarou. “Eu sou o presidente, todos têm que estar sob meu comando”, enfatizou Bolsonaro.

BOLSONARO CITA VAZA JATO

Um dia após a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) postou uma foto do ano passado abraçado com o ex-juiz da Lava Jato. Bolsonaro citou a Vaza Jato e disse que enquanto partidos e o STF (Supremo Tribunal Federal) pressionavam Moro, ele estava abraçado com ele. A Vaza Jato é o nome dado às reportagens divulgadas pelo The Intercept Brasil com parceria de veículos de imprensa, que revelaram trocas de mensagens entre Moro e procuradores da Lava Jato, durante as investigações. As reportagens motivaram partidos políticos a pediram a queda do então ministro da Justiça.

Bolsonaro e Moro romperam definitivamente no final da semana, após ambos trocarem acusações em pronunciamentos. Durante o discurso que fez no Palácio do Planalto, o presidente disse que sempre “abriu o coração” para Moro, mas não poderia dizer o mesmo do ex-juiz da Lava jato. Moro acusou Bolsonaro de determinar a troca do diretor-geral, Maurício Valeixo, para poder interferir politicamente na Polícia Federal para ter acesso a relatórios e investigações da corporação. Bolsonaro negou que quisesse acesso às investigações e disse que tem prerrogativa para trocar o comandante da PF. Quem mentiu e quem disse a verdade?

Na noite de sexta, o presidente escolheu o novo número um da PF, Alexandre Ramagem, que estava na direção-geral da Abin. O Jornal Nacional, da Rede Globo, divulgou mensagens trocadas pelo ministro Moro com Bolsonaro que seriam provas das acusações contra o presidente. Em meio ao tiroteio de acusações, Bolsonaro disse que Moro queria condicionar a troca de Valeixo a sua indicação a vaga do decano do STF (Supremo Tribunal Federal), Celso de Mello, que se aposentará este ano. Moro negou a afirmação em um tweet.

COM DEMISSÃO DE MORO, DÓLAR BATE NOVO RECORDE E REAL TEM PIOR SEMANA DESDE 2008

O dólar à vista subiu 2,54% na sexta-feira, a 5,6681 reais na venda, máxima recorde para um encerramento de sessão. No pico do dia, a divisa foi a 5,7491 reais, valorização de 4,00%. O mercado de câmbio vivenciou uma sexta-feira de grande estresse, com o dólar disparando para novo recorde histórico perto de 5,75 reais e acumulando a maior alta semanal em mais de 11 anos, numa semana marcada pela reação do mercado à sinalização para a política monetária e ao recrudescimento da instabilidade política doméstica.

Imbróglio faz o dólar ir às alturas

Os vários leilões de câmbio feitos pelo Banco Central neste pregão ajudaram a amenizar a demanda pela moeda, mas ainda assim o dólar fechou em forte alta. O dólar à vista subiu 2,54% nesta sexta-feira, a 5,6681 reais na venda, máxima recorde para um encerramento de sessão. É a maior alta desde 18 de março (+3,94%). No pico do dia, a divisa foi a 5,7491 reais, valorização de 4,00%.

Na semana, a cotação saltou 8,25%, maior ganho desde a semana finda em 21 de novembro de 2008 (+8,38%), no auge da crise financeira global. Em abril, o dólar ganha 9,12% e salta 41,25% em 2020. O real liderou as perdas globais pelo segundo pregão seguido e se mantém como a divisa de pior desempenho no ano. Na B3, o dólar futuro subia 2,00%, a 5,6490 reais, às 17h08 de sexta. Com isso, o real teve a maior desvalorização semanal desde 2008, quando o dólar subiu 13% na primeira semana de outubro, durante a crise financeira deste ano.